ontem, dia 23 de janeiro, assistindo as indicações ao Oscar, torcendo para que “Ainda Estou Aqui” aparecesse na tela da transmissão do Omelete (e apareceu, TRÊS VEZES!!!!!!), notei que a comentadora falava com um certo entusiasmo comemorativo quando o longa “Anora” era indicado. assim, decidi pesquisar sobre o filme e tirar minhas próprias conclusões de cinéfila que nunca nem assistiu “Titanic”, se o próprio merecia estar nos palcos da maior premiação de cinema mundial (e também precisava conhecer nossos concorrentes, né?).
“Anora” conta a história de Ani, uma dançarina de strip-tease que trabalha numa boate. numa noite, ela conhece o filho de um oligarca russo e após alguns dias juntos, eles decidem impulsivamente se casar. contudo, os pais de Ivan (seu recente esposo), chegam aos Estados Unidos com a intenção de aniquilar o casamento. daí pra frente, o conto de fadas de Ani se torna um pesadelo.
bom, o que era pra ser uma pesquisa rápida, acabou numa densa imersão dentro do filme. depois de assistir o vídeo da Isabela Boscov, o react de Madvision, entrevistas com o elenco, associei “Anora” com outro filme que eu gosto muito, “Cidade Baixa”. ambos os filmes acompanham o ritmo frenético das vidas de profissionais do sexo (Karinna de Cidade Baixa, uma prostituta, e Ani de Anora, uma dançarina), seguidos por um drama MUITO intenso. apesar das causas da melancolia das personagens serem distintas entre si, a tristeza e a carga que elas carregam me soou similar.
então por que essas narrativas são tão comuns???? por que prostitutas, strippers, etc. possuem um final muitas vezes depressivos nas produções literárias ou audiovisuais? será que… infelizmente essa é a realidade dessas mulheres? sei que pode parecer uma pergunta burra, que particularmente sempre foi muito óbvia para mim, mas um fenômeno que vem acontecendo na internet prova a urgência de tratar desse assunto.
é fato que de 2010 para frente, o sexo/sensualidade é o principal assunto tratado no gênero musical funk. dentro do universo do funk ATUAL, é muito normal (e até repetitivo demais) ouvir letras que mencionam mulheres profissionais do sexo. chegam num ponto até explícitas e expositivas demais, como é o caso de “Medley de Igaratá 3” (quem sabe, sabe). portanto, ouvir expressões como “do job”, “gp (garota de programa)”, vem cada vez mais sendo normais aos ouvidos dos jovens e adolescentes. além disso, as garotas de programa da internet sempre são vistas como ostentadoras, vidas luxuosas, uma tal inspiração para algumas meninas. então aí, eu e outras pessoas no TikTok nos perguntamos.
QUANDO A PROSTITUIÇÃO SE TORNOU ALGO ROMANTIZADO?
cara, não é possível que as algumas pessoas não reconheçam o principal motivo que a prostituição seja o único caminho para a maioria das meninas (estas, marginalizadas): a sobrevivência.
“Sonhos Roubados”, “O Céu de Suely”, “Mulheres da Noite", “Rua da Vergonha”, Erika Hilton, a música “Geni e o Zepelim”…. todos exemplos de que a prostituição não é um caminho fácil, mas que ocorre principalmente pela escassez de dinheiro e de oportunidades.
logo, nesses exemplos e pelas ruas sombrias, é possível concluir que a maioria de meninas e mulheres (NÃO ESTOU GENERALIZANDO), não estão ali porque querem, mas porque PRECISAM.
até aí ok, as pessoas também trabalham não porque querem, mas porque precisam. mas as consequências da prostituição são muito severas. abusos mentais, físicos e morais abrem portas para vícios e adoecimentos psicológicos. ou vocês não conhecem a história ou pelo menos nunca viram o filme da Bruna Surfistinha?
me parece muito bizarro as mulheres ostentando com uma vida ilusória que faz com que elas pensem que QUEREM estar lá. e os espectadores ACHAREM que essa vida vale a pena. esse nicho do funk/trap vem trazendo à tona um recorte muito pequeno do que de fato é a vida das profissionais do sexo. e o luxo, dinheiro sempre vai fazer uma lavagem cerebral nas pessoas, fazendo o público querer ser inserido no meio.
é MUITO triste pensar na causa e nas consequências da maioria das garotas de programa. e é revoltante pensar que alguns adolescentes, principalmente meninas, não enxergam o verdadeiro cotidiano das prostitutas e idolatram homens que fazem músicas sobre usá-las (escrevi isso, sendo que estava com “Macetada nas do Job” na cabeça o dia inteiro. QUE RAIVA.)
bom, “Anora” me fez pensar muito sobre esse tema e espero que o povo caia na real de que a vida da prostituição não é como retratado no cenário atual. infelizmente, “Uma Linda Mulher” é só um conto de fadas, que quase nunca vira realidade.
obrigada por ter lido até aqui! não tenho palco nenhum pra falar, mas vi algumas pessoas no TikTok falando sobre o assunto e decidi me expressar também. espero que tenham gostado!!
Excelente reflexão… a algum tempo me mudei para uma rua que tem um desses estabelecimentos e não consigo contar quantos dias cruzo com pessoas entrando e saindo e em todos rostos de maquiagens borradas do dia anterior a tristeza e angústia são nítidas e o pedido de socorro em alguns chega ser audível, muitas inclusive saem e se escondem durante horas em calçadas próximas fumando e bebendo as 7 da manhã tentando fugir. É uma pena que o Only tenha passado a ideia de que a distância do digital não traz consequência mentais tão pesadas quanto as físicas.
Se tem uma coisa que NÃO está sendo romantizada é a prostituição. Está sendo, como sempre, estigmatizada. Romantizada não.
A prostituição sempre existiu e sempre vai existir.
Todo esse discurso anti-prostituição que procura reforçar a imagem das garotas (garotos e garotes) de programa como pobres coitadas, vítimas da sociedade, só reforça a ideia de que a prostituição não é um trabalho de verdade (E é! Reconhecido por lei, devo mencionar). Só reforça estigmas sobre a profissão que já existem há tanto tempo.
E é claro que se sua fonte for produções cinematográficas e literárias, sua opinião será totalmente enviesada! O cinema e a literatura ADORA dramatizar a profissão justamente porque a mentalidade das pessoas já está enviesada num estigma histórico e social que já é alimentado há muito.
Enquanto o drama e a melancolia é atribuído à profissão, os verdadeiros "venenos” são facilmente ocultos: a precarização do trabalho (como o que acontece com MUITAS outras profissões, no sistema capitalista), mas com o grande diferencial do estigma social que impede que as trabalhadoras tenham uma rede de apoio sólida & as desmotiva a acessarem os programas de saúde assistencial. Estigma esse que é reforçado com o discurso “anti-romantização da prostituição”.
Olhe em volta e olhe para DENTRO. Procure fontes de informação genuínas: pessoas que trabalham no job, pessoas de diferentes contextos que trabalhem no job. A prostituição NÃO está sendo romantizada. Outra vez: está sendo estigmatizada de diferentes formas.
O que acontece é que a profissão ressoa diferente entre recortes de gênero, raça e classe social, mas aí o problema não é o “job”, né…